quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Relatório – Abordagem policial

Relatório – Abordagem policial / Anyky


No dia 03 de agosto de 2009 a Coordenadoria de Direitos Humanos (CMDH) recebeu, formalmente, o seguinte relato, sendo instada a discutir o caso e providenciar as respostas institucionais cabíveis.

Eis o relato.

Às 00:10hs do dia 01 de agosto do corrente ano, três policiais militares, fardados e armados, porém sem identificação funcional, bateram no portão do pensionato de travestis, situado à rua Passos, número 252, bairro Carlos Prates, comunicando o recebimento de uma denúncia anônima sobre armas de fogo e drogas que estariam sendo escondidas naquele imóvel.

Anyky Lima (nome social), a responsável pela pensão, não estava no local naquele momento. Dessa forma, as travestis presentes permitiram que os policiais adentrassem ao imóvel, solicitando a eles que permanecessem do lado de fora da casa enquanto Anyky era localizada.

Como na madrugada do dia anterior outros policiais militar, com o mesmo modus operandi, já haviam abordado a pensão, porém desistindo da ação antes de entrarem na casa alegando erro de endereço, Anyky havia sido orientada a procurar o seu advogado, Roberto Chateaubriand Domingues, OAB/MG 108981, para que ele intermediasse o seu contato com os militares, caso fosse novamente procurada pela polícia, sobretudo em horário noturno.

Anyky foi comunicada sobre a presença dos policiais na pensão e telefonou para o seu advogado que se dispôs a encontrá-la no local. Chegando à rua Passos o advogado interpelou quanto a ação em horário inoportuno, solicitando aos policiais que se identificassem, já que todos os três militares estavam sem suas respectivas tarjetas de identificação, embora usassem uniformes. Todos eles se negaram a se identificar, alegando já terem dito os seus nomes para quem os atendeu na porta da casa. Explicaram que a ação se lastreava em uma denúncia anônima que indicava ser aquela casa local de armazenagem de drogas ilícitas e armas de fogo, porém se recusaram a mostrar qualquer documentação legal que amparasse a presença deles naquela dita operação. Em tom claramente intimidador informou que, caso não houvesse permissão para que eles procedessem a averiguação da denúncia naquele momento mais tarde eles voltariam munidos de Mandado de Busca e Apreensão e, assim, a abordagem seria outra, sendo facultado aos agentes policiais, inclusive, arrombar o portão da casa.

Anyky foi informada por seu advogado que embora aquele procedimento fosse absolutamente irregular, se ela permitisse a entrada dos militares sua anuência respaldaria a ação policial, embora ela tivesse todo o direito de exigir um Mandado de Busca e Apreensão, instrumento judicial, assinado por um Juiz de Direito que, via de regra, somente o expede baseado em uma investigação prévia e na presença de indícios de atividade criminosa em curso.

Anyky permitiu que os policiais fizessem a vistoria na residência alegando que não tinha nada a temer, já que ali era uma pensão de travestis e não havia drogas nem armas no local. Diante da anuência da responsável pelo imóvel os policiais solicitaram a apresentação dos documentos da dona da casa e, como a denúncia anônima mencionava uma travesti negra de cabelos curtos, exigiram que Patty, única travesti negra residente na pensão, também apresentasse sua documentação. Foi-lhes informados que ela havia tido seus documentos furtados e mostraram o B.O.. As anotações foram realizadas no verso do formulário que os policiais acenaram como sendo o documento da denúncia anônima e, em seguida, se retiraram do local sem realizar o que chamaram de “averiguações de praxe”.

Questionados do porque haviam desistido da ação os policiais disseram, de forma ameaçadora, que o advogado presente não havia permitido a entrada deles na casa e, por esta razão, voltariam portando um Mandado de Busca e Apreensão.

Os três policiais saíram da casa a pé e foram caminhando até a esquina, local onde uma viatura, até então fora do campo de visão de todos os presente, os apanhou. Este fato causou ainda mais estranheza à “abordagem” realizada, uma vez que evidenciou o propósito dos policiais de manterem viatura e, por via de consequência, sua identificação oculta, impossibilitando toda e qualquer iniciativa de questionamento da referida ação pelas vias legais por parte dos cidadãos que tiveram seus direitos violados.

Cabe ressaltar que estas investidas policiais não constituem fato inédito, em especial após denúncias realizadas pela Anyky acerca de inúmeros casos de violação de direitos e agressões sofridas por moradoras de sua pensão, como achaques tanto de policias quanto de particulares civis contra travestis na Av. Pedro II, proibição, mediante ameaças de violência física ou prisão de circulação de travestis na região, arremessos de pedras contra a pensão que serve de moradia das travestis, dentre outros.

Caso semelhante já havia sido relatados pela Anyky à Coordenadoria de Direitos Humanos (CMDH) em dezembro de 2008 que foi devidamente encaminhado à Corregedoria da Polícia Militar. Todavia, em razão de inexistência de materialidade e total ausência de elementos capazes de prover a identificação dos agentes autores da ação o caso não pode ser concluído.

Neste último mês, Patty (nome social) teve seus documentos furtados, bem como sua peruca e sapatos por um grupo de jovens motorizados na Av. Pedro II. Ato contínuo, tal agressão foi comunicada às autoridades policiais locais que disseram que nada poderiam fazer em razão de ausência de provas materiais aptas a identificar os agressores. Dois dias depois, a mesma travesti foi agredida fisicamente e a placa do carro foi anotada, sendo esta informação levada ao conhecimento da Polícia que lavrou Boletim de Ocorrência.



Relatoria do caso: Roberto Chateaubriand Domingues - BM 41.409-7
Coordenadoria de Direitos Humanos (CMDH/SMADC/PBH)


Data: 03 de agosto de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário